28/06/2012 19:37

Por Gustavo Cunha, da FASE

A favela como exemplo perfeito de injustiça ambiental

Aos pés da Serra da Misericórdia, pesquisadores e representantes de organizações da sociedade civil que atuam no Complexo do Alemão participaram do debate A favela na agenda dos movimentos sociais e ambientais. Assim, o Alemão se tornou um dos “Territórios do Futuro” da Cúpula dos Povos. Eles abordaram os desafios para a conservação e a recuperação ambiental da área que abrange 27 bairros do subúrbio carioca. Um dos grandes problemas geradores de poluição na região é a mineração realizada por três empresas transnacionais há mais de 15 anos.

Melisanda Trentin, da FASE, valorizou a opção política de realizar o debate no território do Alemão porque a escolha possibilita a exposição de locais e problemas “invisíveis” na cidade. Como afirmou, “precisamos chamar atenção para o outro lado da cidade, extrapolando as ações no Aterro do Flamengo”. Para Melisanda, “no contexto urbano, a favela é o exemplo perfeito de injustiça ambiental porque é aqui que são despejados todos os impactos negativos do atual modelo de desenvolvimento”, alertou.

Rafael Carvalho, biólogo da organização Verdejar, explicou que a região divide as águas de quatro bacias hidrográficas que – também por conta das atividades mineiras – são as mais poluídas da cidade. Lembrando o fundador do Verdejar, homenageado na atividade, Carvalho comentava a situação de degradação ambiental: “O Luiz Poeta costumava dizer que estávamos no olho do furacão”.

A situação causada pela atividade extrativa no meio da Cidade Maravilhosa escancara o quão falaciosa é a afirmação – hegemônica – de que os problemas ambientais atingem a todos de igual maneira. “Há uma distribuição desigual dos impactos: enquanto uns os produzem de maneira massiva, outros os recebem com grande intensidade”, esclareceu Melisanda. Essa é a principal base teórica que sustenta o conceito de Justiça Ambiental, cuja origem remete à luta do movimento negro dos Estados Unidos de 1980. Ao denunciar que os depósitos de lixo tóxico e de indústrias poluentes concentravam-se nas áreas habitadas pela população negra, o movimento norte-americano deu visibilidade à relação existente entre degradação ambiental e injustiça social.

Para a pesquisadora da FASE, o surgimento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) em 2001 representou um importante passo na politização dos debates sobre questões ambientais. Desenvolvida por pesquisadores e organizações da sociedade civil, o movimento se constitui “como um fórum de discussões, de denúncias, de mobilizações estratégicas e de articulação política” na proposição de soluções e ações de resistência, conforme exposto em página na internet.

Por uma nova produção da cidade

Coordenador da FASE-Rio, Aercio de Oliveira questionou o atual modelo de desenvolvimento. Para ele, a maneira como a cidade está sendo organizada hoje pelo poder público e pelas empresas demonstra um projeto mais amplo que as obras para os megaeventos que serão realizados nos próximos anos. Na opinião de Aércio, os megaeventos servem apenas como pretextos para privatizar a cidade – começando pelos terrenos da União que vem sendo entregues à iniciativa privada. Um dos maiores PIBs do país, o estado fluminense se transformou em palco para a atuação de empresas transnacionais e centros de pesquisa. Aercio não deixou de fazer referência à presença da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) em Santa Cruz, que gera enormes impactos socioambientais locais e regionais. No Rio de Janeiro, ela é responsável pelo aumento de mais de 76% das emissões de gás carbônico.

“Devemos pensar em iniciativas para uma nova forma de produzir a cidade”, frisou. Para o pesquisador, as remoções de moradores que vivem em regiões mais centrais para as franjas da cidade são indícios de uma elitização constante dos espaços. Modos de representação dominantes se alastram, impostos por todo o contexto urbano. Melisanda Trentin complementou o argumento: “Projetos políticos recentemente implantados em favelas – como as UPPs – representam a imposição de um modo de vida que não é o da favela. Querem transformar as produções de vida nesses locais, tentando equipará-los a populações de regiões mais valorizadas”.

Para Eduardo Simas, representante do movimento ATD Quarto Mundo, a exclusão dos povos mais pobres na elaboração de ações e políticas públicas nos próprios territórios desconsidera soluções já postas em prática. “Precisamos respeitar o que as pessoas já produzem. Não se deve levar um conhecimento de cima para baixo”, declarou.

Intercâmbio de conhecimento entre Alemão e Semi-árido nordestino

Representantes da Articulação do Semi-Árido (ASA) repassaram o conhecimento coletivo construído por comunidades no Nordeste para captação de água da chuva para os moradores do Alemão. Eles instalaram uma cisterna para estocar aproximadamente 16 mil litros de água na comunidade Sergio Silva, no bairro Engenho da Rainha.

Na região semi-árida já foram instaladas mais de 400 mil cisternas. A prática muda a vida da população, pois ajuda na construção de estratégias de convivência harmônica com os regimes de chuva. No caso do Alemão, na região da Mata Atlântica, onde há bastante chuva todo o ano, a cisterna vai ajudar na horta agroecológica da comunidade. Com a água da chuva vão diminuir os custos do projeto de agricultura urbana e a água também poderá ser utilizada para abastecer casas caso a população precise.

Para o potiguar Procópio Lucena, representante da ASA que esteve no Complexo do Alemão, a inauguração do sistema de armazenamento “é um festejo da capacidade de resistência da população”.