18/08/2015 15:32

A caminhada era longa, uma média de 33 quilômetros a pé diariamente para chegar ao local de trabalho. Às seis da manhã já seguiam rumo às roças de cacau. A garrafinha de café e a marmitex eram as companhias no caminho duplamente percorrido. A desistência vinha diversas vezes à cabeça, mas a persistência conseguiu anular até mesmo a descrença dos maridos. Foi dessa forma que algumas mulheres de Uruará, município localizado no Oeste do Pará, iniciaram a concretização de um sonho. Com pouco mais de 45 mil habitantes, a cidade sedia uma das fábricas de maior produção de polpa de frutas da região, resultado do trabalho desenvolvido por mulheres que arregaçaram as mangas e, mesmo enfrentando diversas dificuldades, hoje, se não são o esteio da família, contribuem para o sustento dela.

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A Associação Dom Oscar Romero (Amdor) reúne 25 mulheres. (Foto: Fundo Dema)

Comemorando o atual momento, o grupo de mulheres relata com orgulho a trajetória iniciada em 1998, quando fundaram a Associação Dom Oscar Romero (Amdor) – que homenageia um padre com importante histórico de luta na região. Na época, começaram o trabalho com costura e pintura. As que sabiam mais ensinavam as que sabiam menos e assim foram levando e vendendo o que era produzido para juntar dinheiro para fundar a associação. Logo depois, começaram a cultivar uma horta comunitária. A produção era distribuída ali mesmo entre o grupo para a alimentação familiar.

Desde 2003, elas começaram a colocar energia na produção de polpas de fruta. Três anos depois, iniciaram ações para a “Estruturação e Fortalecimento do Sistema de Manuseio e Comercialização de Polpas de Frutos Nativos de Uruarᔹ, projeto aprovado em edital do Fundo Dema, do qual a FASE faz parte. A reestruturação da fábrica – que atualmente é a maior de polpa de frutas da Transamazônica – possibilitou a ampliação da produção, a geração de renda, o dinamismo da economia local, a valorização das frutas nativas, a contribuição para a segurança alimentar e também para a autonomia das mulheres. “A renda de casa aumentou e não tem mais aquela coisa de pedir para o marido. Agora é o marido que pede pra gente”, diz com uma bela risada Maria Iraci, de 54 anos.

Fortalecimento da produção

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Mulheres da Amdor trabalhando com o açaí. (Foto: Fundo Dema)

No início a produção era pequena, rendia uma média diária de 20 quilos. Colocavam uma bacia na cabeça e saiam vendendo o produto na cidade. Com a compra da máquina processadora, de um freezer e de outros utensílios, a produção de polpa chegou a 185 quilos por dia. Acerola, açaí, cupuaçu, cacau, maracujá, manga, graviola, abacaxi e taperebá são matéria-prima para a produção de polpas, mas algumas delas fazem também geleia, licor e bombom de chocolate. Atualmente, as 25 mulheres que integram a Amdor estão trabalhando para a inauguração de uma nova sede em terreno próprio, o que possibilitará a saída do aluguel e aumento da renda.

“Esse é um sonho que no início era uma tempestade de ideias. Em 2009 nós colocamos pra atingir isso em dez anos, então nós estamos atingindo dentro de cinco anos. O nosso sonho se antecipou porque nós fomos muito persistentes, buscando os parceiros certos pra nos apoiar e se não fosse o Fundo Dema, que lá no início, lá atrás, acreditou e deu o primeiro incentivo, a gente talvez não estaria aqui hoje, então pra nós é muito gratificante”, comemora Shirlleyd Santos, atual presidenta da associação.

Agora, por meio de um novo projeto aprovado pelo Fundo Dema em 2014, as mulheres pretendem perfurar um poço artesiano e reformar a única caminhonete utilizada para transportar as frutas dos fornecedores e o produto aos mercados. Elas também querem investir na comunicação a fim de divulgar seu trabalho, além de possibilitar a diversificação e democratizar o acesso de famílias fornecedoras de matéria-prima.

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A família de Antônia e Raimundo é uma das cerca de 150 que fornecem frutas para a Amdor. (Foto: Fundo Dema)

Agroecologia e dinamização da economia local

Vindos da Paraíba durante a abertura da Transamazônica, na década de 70, o casal de agricultores Raimundo e Antônia Barbosa fincou raízes em solo paraense, formaram uma família e, desde então, vem sustentando seus filhos e netos por meio da agricultura familiar. Com uma plantação diversificada, cultivando acerola, macaxeira, laranja, limão e coco, o casal foi estimulado a comercializar para a Amdor.

Antes do fornecimento de acerola para a Associação, a fruta caída garantia somente o enfeite do terreno e o suco nas refeições. Porém, há três anos a família toda começou a se reunir para coletar o fruto, fornecido por R$ 2 o quilo. “Na última safra chegamos a coletar oitocentos e poucos quilos de acerola. A gente coloca nos baldes e bacias e aí meu esposo vai entregar no carro que a gente tem”, diz Dona Antônia. “Pra nós é muito bom, ajuda bastante. Por exemplo, ajuda na despesa de casa e na compra de adubo”, complementa.

Assim como faz com Raimundo e Antônia, a fábrica de polpas de frutas da Amdor, a Amdor Fruits, tem beneficiado indiretamente cerca de 150 famílias da agricultura familiar, além do benefício direto às famílias das sete associadas que atuam na atividade. A produção é destinada a escolas municipais, estabelecimentos comerciais, a hotéis e restaurantes. Com a diversificação de culturas mantida nos terrenos, ao contrário da monocultura, consegue-se evitar a erosão do solo. Dessa maneira, ocorre a diminuição de riscos de pragas e com variações climáticas e, por consequência, de riscos econômicos.

Impactos de Belo Monte sobre a agricultura familiar

Enquanto o protagonismo das mulheres da Amdor fortalece a economia a e segurança alimentar e nutricional da população de Uruará, a faraônica Usina de Belo Monte representa uma ameaça. Distante aproximadamente 190 quilômetros de Altamira, cidade polo da construção da hidrelétrica, o município é um dos que têm sofrido diretamente os impactos socioambientais da obra, que conseguiu arrancar boa parte da mão-de-obra da agricultura familiar.

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Amdor serve de exemplo de dinamização da economia local. (Foto: Fundo Dema)

Herdando as consequências da destruição ambiental com a construção da barragem, os agricultores tiveram que acatar as imposições do governo federal para o ‘desmatamento zero’. Sem a licença para o plantio e com o acesso cada vez mais dificultado às linhas de crédito, a produção passou a declinar, principalmente na lavoura de arroz, feijão, milho e macaxeira, que são as plantações de sustento alimentar. Desmotivadas, sem ter como produzir para viver, muitas famílias agricultoras abandonaram suas propriedades e migraram para a área urbana de Uruará, para Altamira e até mesmo para outros estados.

Sem opção, parte dos agricultores da região teve que ir trabalhar na obra da usina. Shirlleyd relata que as oportunidades trazidas pela barragem chegaram para uma minoria, citando outros problemas sociais provocados pelo inchaço populacional na cidade. “A maioria está colhendo as desgraças deixadas por ela. Aqui em Uruará não tinha mendigos na rua e depois de Belo Monte o calçadão vive cheio, assalto, violência de todo tipo, estrupo de mulheres e contra crianças também”, ela afirma sobre a hidrelétrica, que provoca transformações negativas na vida de povos tradicionais e no ecossistema da Amazônia.

[1] Leia a matéria completa sobre o trabalho da Amdor no site do Fundo Dema.