24/08/2017 16:23
Felipe Sakamoto¹
No dia 17 de agosto, aconteceu a mesa “Os paradigmas do bem viver e dos bens comuns nas práticas das organizações populares e dos movimentos sociais no campo e na cidade”, onde diversos representantes dos movimentos sociais discutiram questões que tangem suas lutas, como a questão de gênero, indígena, social, racial e ecológica. O evento tem relação com o “Projeto Novos Paradigmas: pensar, propor, difundir”, desenvolvido pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) em parceria com o Iser Assessoria e com a Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, que tem como um dos objetivos a troca de experiências entre os movimentos sociais e a sociedade civil para a produção coletiva de novos processos de desenvolvimento para a construção de uma sociedade socialmente igualitária, economicamente justa e ambientalmente sustentável.
“As marcas da chibata até hoje doem na minha alma”, canta o rapper Moysés na abertura do evento. As rimas narram sua trajetória. Representante do movimento dos deficientes, falou sobre a falta de investimento no acesso à cidade e na saúde pública, elitismo e racismo no Brasil. As palavras do artista emocionaram Gilberto Leal, da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), que, dialogando com a temática do evento, afirmou que para traçar novos paradigmas é necessário ter como norte o conhecimento da história. É saber do passado para realizar diferente no futuro.
Para Leal, os atuais desafios para o movimento negro, neste momento de crise política, são: o genocídio da juventude negra, a questão ambiental no meio urbano e rural, a representação dos negros nos meios de comunicação e a visibilidade das mulheres negras. “Não é possível dizer que estamos em um golpe político pacífico, estamos em um golpe realmente violento destinado à população negra. Não é por acaso quando nós, do movimento negro, conseguimos convencer 54% dessa população que ela é negra que o golpe toma as ruas. Não é por acaso que o Estado mais negro desse país que o exército está nas ruas do Rio de Janeiro e Salvador”, afirma Kitanji Nogueira, representante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
“Quem é o sujeito político dos Direitos Humanos?”, pergunta Mércia Maria, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Para ela, são as pessoas discriminadas por sua classe, raça, gênero ou sexualidade e é preciso refletir para onde e para quem este projeto de sociedade está convergindo. Mércia afirmou que as organizações e os militantes dos direitos humanos estão sendo criminalizados pelo Estado em conjunto com o Judiciário, e que a grande mídia está colaborando com isso, já que falta espaço de fala na comunicação.
Eleutéria Amora, diretora executiva da Abong, destacou a luta pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que entrou em vigor em 2014, com a lei 13.019/2014, e estabeleceu um novo marco para as parcerias entre as organizações da sociedade civil e a administração pública. “O trabalho da Plataforma agora é sair do nosso campo político. O nosso desafio político não é ficar olhando somente se está saindo ou se está sendo implementado e tal. Quais são as agendas políticas das OSCs. Se é direito ou se não é direito, o acesso ao recurso público e para onde está indo este recurso”, disse.
Abordando a questão das mulheres, Natalia Mori, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), destacou os efeitos da crise de representação política, que deixa claro que o atual “projeto político não é para gente”. “Para nossos corpos políticos isso traz uma maior precarização e exploração dos nossos trabalhos. Não ter postos de saúde, não ter quem cuide das crianças, enfermos e idosos. Sabemos que esse não-atendimento por parte do Estado vai cair sobre as mulheres”, afirma.
David Karai Popygua, da Comissão Guarani Yvrupa, fez um chamamento sobre a tese do Marco Temporal, alertando sobre o contínuo perigo que as terras indígenas sofrem pela ação dos ruralistas. De acordo com a liderança indígena, um dos principais desafios atualmente é engajar os mais jovens com a cultura dos povos tradicionais. “Quem vai fazer a reza, o canto, e a força da nossa comunidade? Nós temos uma grande responsabilidade de fortalecer a nossa história e de olhar para o futuro, e saber toda a história do passado, assim a gente consegue dar passos mais firmes”, afirmou.
[1] Texto publicado originalmente no site Observatório da Sociedade Civil. Leia também a matéria “Análise da crise brasileira e mundial marca debate em seminário nacional“