10/04/2009 14:08
Questões a serem consideradas no ZSEE de Mato Grosso
Vilmon Alves Ferreira
Técnico da Fase Mato Grosso
Desde maio de 2008, a sociedade civil de Cáceres iniciou sua participação, com debates e estudos sobre o Zoneamento Socioeconômico e Ecológico (ZSEE) do estado de Mato Grosso. Foram participações em seminários estaduais, regionais e municipais procurando conhecer o conteúdo político e técnico, cada diretriz proposta nas categorias, suas indicações sociais, econômicas e ambientais. No processo de apropriação deste mínimo conhecimento, identificamos alguns equívocos. Por exemplo, ao que parece o estudo técnico indicando as categorias, zonas, subzonas e as diretrizes do território mato-grossense foi realizado tomando por base uma regionalização calcada nas unidades físico-territoriais. No nosso entendimento, o estudo não teve um olhar socioambiental ao desconsiderar a diversidade de povos nativos e migrantes mato-grossenses que habita este território. Identificar apenas os aspectos técnicos das unidades físico-territoriais (solo, água, vegetação, relevo e suas aptidões) pode gerar conflitos na ocupação deste território, mesmo onde já está ocupado, pois, ao que tudo indica, o zoneamento atenderá apenas demandas econômicas, com intuito de criar fronteiras agrícolas e agropecuárias, deixando de cumprir a função socioambiental. O zoneamento tem que cumprir uma função fundamental prioritária que é a de diagnosticar e identificar os povos que vivem e ocupam estas unidades físico-territoriais, contemplando políticas para reconhecimento e fortalecimento dos territórios dos quilombolas, povos indígenas, desaldeados ou com territórios não homologados, extrativistas, pescadores, retireiros, pantaneiros, morroquianos e populações urbanas.
Diante desta realidade, entendendo que o zoneamento não contempla estas questões, fomos à luta com objetivo de incorporar as demandas da sociedade civil no processo de debate e consultas populares nas audiências públicas previstas.
Mal iniciamos e já nos deparamos com muitas barreiras, como a falta de recursos financeiros para locomoção, infra-estrutura, materiais, consultorias, etc. Buscamos apoio tanto no governo do estado como no governo federal e não tivemos êxito. Lamentamos as dificuldades encontradas pela sociedade civil para participar e levar o debate do ZSEE para a população mato-grossense (agricultores e agricultoras familiares, povos e comunidades tradicionais, povos indígenas, trabalhadores rurais e urbanos) que, por ironia, são os protagonistas do mapa social do estado, excluídos do processo.
Os recursos se dirigem apenas para um setor da sociedade, o setor do agro-negócio representado pela FAMATO, que recebeu mais de 1 milhão de reais num convênio com a SEDER para mobilizar e capacitar suas bases, além de contratar uma equipe de técnicos para estudar e elaborar um novo Zoneamento do estado de MT à partir de suas demandas e propostas.
Mas a sociedade civil, especialmente em Cáceres, não desistiu e correu atrás do prejuízo com suas próprias forças, conseguindo subsídios materiais, estabelecendo parcerias para viabilizar infra-estrutura, veículos e consultorias. Com estas condições mínimas, fizemos visitas e realizamos reuniões e fóruns de debates na região da grande Cáceres, envolvendo povos e comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, pantaneiros, morroquianos), assentados, acampados, pescadores, população urbana em nome da mobilização e participação nos debates do ZSEE. Reiteramos que o esforço da sociedade civil em contribuir para garantir a participação dos movimentos sociais nos espaços de debates do ZSEE tem sido uma tarefa constante e incansável. Mas, nos seminários e audiências públicas do ZSEE já realizadas, nos deparamos com cenários, legitimados pela Assembléia Legislativa de MT permitindo atos de agressão, de intimidação e de ameaças proveniente do setor da grande produção, coagindo com o direito constitucional de participação dos movimentos sociais nos debates públicos do ZSEE.
Portanto, a sociedade civil organizada da região da grande Cáceres, que representa os movimentos sociais, ONGs socioambientais e sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, associações de pequenos e pequenas produtoras rurais comprometidas com as causas populares, produziram um documento para exigir esclarecimentos e providências urgentes para os casos seguintes:
• O Governo do Estado de Mato Grosso, através da Secretaria de Planejamento, não cumpriu com o compromisso assumido, havendo um boicote de última hora no acordo de ceder um ônibus para os movimentos sociais de Cáceres se deslocarem para participar da audiência pública de Pontes e Lacerda, a avaliação é de que isto se deu com intuito de esvaziar a participação da sociedade civil na tal audiência. Não admitimos o argumento que Cáceres já havia realizado a audiência, pois é o mesmo pólo e as pessoas já mobilizadas, inclusive de assentamentos distantes, ficaram revoltadas com o fato;
• Na audiência pública de Pontes e Lacerda os povos chiquitanos presentes foram proibidos de adentrar o recinto onde seria feita a leitura das diretrizes por funcionários da AL alegando não ter crachás, na Plenária foram recomendados através de intimidação para não manifestar e não usar a palavra apresentando suas propostas;
• O Governo do Estado de Mato Grosso e a Assembléia Legislativa de Mato Grosso têm usado o nome dos movimentos sociais para legitimar o processo legal de consulta popular nas audiências publica, mas, na prática, não têm dado condições e direito de participação para apresentação de propostas;
• Na audiência pública de Pontes e Lacerda o Senhor Zé da Paz, poeta popular, com sua inscrição assegurada depois de horas na fila, com um poema já pronto para declamar na plenária, sentiu medo, se sentiu intimidado e desistiu, perdendo o momento cultural para expor sua arte e seus anseios como cidadão mato-grossense;
• Temos verificado os descasos com os assentados, pessoas das comunidades tradicionais (quilombolas, morroquianos, pantaneiros, ribeirinhos), indígenas residentes nas áreas rurais distantes que têm se sacrificado com deslocamentos, arcando com os custos e nas audiências públicas não são ouvidos, sendo excluídos por intimidação;
• Durante o desenvolvimento das atividades do Grupo que trata da categoria 4, constatamos parcialidade por parte da facilitadora ANALZITA MULLER, da Assembléia Legislativa, na condução dos trabalhos, que no nosso entendimento, beneficiou o setor ruralista, inclusive tolhendo o direito de manifestação de participantes dos movimentos sociais, citando dentre os vários casos ocorridos, o da representante dos povos tradicionais quilombolas, senhora Mancia Frazão de Almeida, sofrendo constrangimentos e sendo impedida de fazer propostas para sua comunidade, infringindo o direito de participação;
• Ainda no Grupo 4, na exposição e debate da Zona 4.2.14 o setor dos movimentos sociais com presença em minoria, após consumado o dissenso, terminado os trabalhos do grupo, foram pressionados, intimidados e coagidos forçando-os a um consenso de transferir a zona 4.2.14 para a categoria 3.
• Constatamos também no desenvolvimento das atividades de outros grupos, especialmente o Grupo 2, os participantes da sociedade civil organizada (movimentos sociais), com presença em minoria, foram intimidados e coagidos verbalmente pela grande maioria dos participantes, representantes do setor da grande produção, infringindo o direito de participação previsto constitucionalmente para entendimento, discussão e proposição durante o Seminário Técnico do ZSEE-MT;
• Os movimentos sociais têm constatado nas Audiências Públicas realizadas até o momento, que as diretrizes destinadas e recomendadas especificamente para a pequena e média produção estão sendo modificadas, com intenção de agregar os grandes produtores dentro dessas diretrizes desvirtuando o seu real objetivo.
Clique aqui para ler o manifesto intitulado CARTA DO FÓRUM POPULAR SOBRE O ZONEAMENTO SÓCIO ECONÔMICO E ECOLÓGICO (ZSEE) DE MATO GROSSO divulgado pelo Movimento Social de Mato Grosso.