11/03/2019 15:41

Vitor Taveira¹

Arroz, feijão, farofa, aipim, fruta-pão, frango, carne moída, banana, doces. Tudo estava armado num grande banquete no dia 27 de fevereiro, na Praça Costa Pereira, pleno Centro de Vitória (ES), onde se serviram mais de 350 pratos gratuitamente. Os cartazes espalhados pelo entorno indicavam que não se tratava de apenas uma ação social, mas também de um ato político simultâneo em mais de 40 cidades do Brasil, em protesto contra a Medida Provisória (MP) do governo federal que retira as atribuições do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o que, na prática, o extinguiria.

Foto: Leonardo Sá

“Comer é um ato político. Então esse ato político comer hoje na praça é para dizer para aquelas pessoas que estão nos representando em Brasília que queremos o Consea com suas atribuições e funções”, disse Rosemberg Caitano, presidente do conselho em nível estadual.

O evento aconteceu na véspera da apreciação pelo Congresso Nacional da MP 870, que inclui uma série de mudanças institucionais propostas pelo governo de Jair Bolsonaro, inclusive a que acaba com as funções do Consea. Segundo ele, enquanto as mobilizações acontecem pelo Brasil, integrantes da sociedade civil que integram a entidade percorreram os gabinetes em Brasília para pressionar os deputados e deputadas a votarem pela manutenção do órgão.

Para Daniela Meirelles, também integrante do Consea estadual, com o esvaziamento do Conselho em nível nacional se desmonta todo sistema de segurança alimentar e nutricional. “O intuito disso é eliminar a participação social, já que o conselho é composto por dois terços de representação da sociedade civil e um terço do poder público, e orientava todos programas, políticas e planos de segurança alimentar. Era um órgão diretamente ligado ao presidente da República, e nosso atual presidente não está interessado em ouvir a opinião da sociedade civil”, criticou.

Ela entende que o ato do Banquetaço, organizado pela sociedade civil, vai no sentido de alertar sobre a importância do tema, já que o Brasil está perto de voltar ao Mapa da Fome por conta da falta de políticas nos últimos anos. “Temos desafios profundos em relação ao acesso à água, acesso e qualidade da terra, condições de produção e distribuição de alimentos, sendo que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo”, alerta Daniela, que é educadora da FASE no Espírito Santo.

(Foto: Leonardo Sá)

A preocupação com a qualidade, acessibilidade e adequação cultural da alimentação marcou a organização do Banquetaço. A proposta foi justamente apresentar alimentos naturais e fornecer um cardápio adequado com a dieta e a cultura culinária local. Tudo foi feito por meio de doações de pessoas e entidades, tanto de alimentos como de tempo e trabalho nas quatro comissões estabelecidas: Cozinha, Mobilização, Articulação Política e Infraestrutura, que começaram a trabalhar há mais de um mês para organizar o ato.

Movimentos sociais, organizações, sindicatos, mandatos políticos e outras instituições estiveram representadas no ato. “A gente sabe que hoje para os movimentos sociais e conselhos as palavras de ordem são luta e resistência contra os retrocessos”, afirmou Rosângela Cândido, integrante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) no Espírito Santo. “Nós, como usuários das políticas públicas, temos que nos fazer presente e dizer que a população de rua tem um déficit de alimentação adequada, a gente vive à margem da sociedade, muitas vezes com só uma refeição por dia. Então a gente ‘tá’ aqui para reivindicar o direito a uma alimentação saudável e de qualidade, nos somando a outros movimentos sociais para não deixar que nos retirem nenhum direito”, afirmou.

(Foto: Leonardo Sá)

Também integrante do MNPR, mas no Acre, Ermelindo Sorriso aproveitou a passagem por Vitória para apoiar a ação. “A política de alimentação tem sido muito violentada. No Espírito Santo, acabou o Restaurante Popular, que nós ainda temos lá no Acre. Ficamos muito angustiados com isso, pois faz muita diferença. Acho que o governo está só enxugando na área social, por que não enxuga no lado dos bancos e dos empresários?”, questionou.

Para Rosemberg, o recado do Banquetaço capixaba foi para a sociedade que circulava pelo local mas também para o governo federal, já que Lelo Coimbra (MDB), ex-deputado pelo Espírito Santo, ocupa hoje a pasta de secretário especial do Desenvolvimento Social, diretamente responsável pela política de segurança alimentar e nutricional. Ele acredita que por estar vinculado à Presidência, o Consea Nacional foi o primeiro a ser extinto, mas que outros podem sofrer a mesma tentativa.

“Nessa política neoliberal, o Conselho que representa o controle social não é bem visto. Temos que lutar por esse controle social, que inclusive é constitucional”, disse ele, lembrando que o Consea inclui como representantes povos de diferentes culturas, etnias, religiões e costumes, para que todos possam ter seu direito à alimentação respeitado.

(Foto: Leonardo Sá)

Daniela Meirelles considera que a mudança nacional também impacta nos conselhos em nível estadual e municipal. Mesmo com a intenção de manutenção do Consea estadual e dos municípios, as políticas são montadas a partir das três instâncias de governo. “Mesmo que se realize uma conferência estadual da área, vai ser fragilizada, porque as diretrizes sempre vieram em nível nacional para definir as linhas de debate e enriquecê-las a partir das contribuições municipais e estaduais”, disse.

Ela ressaltou a importância do Banquetaço. “É um ato belíssimo, uma demonstração de força, de preocupação e de resistência da sociedade civil, que realmente valoriza e se preocupa com uma alimentação de qualidade, farta, com comida de verdade e acessível para boa parte da população, agregando desde os produtores do campo até os consumidores da cidade”, considerou Daniela.

[1] Matéria veiculada no Século Diário – Ninguém é Indiferente ao Fato.