31/03/2016 13:20
Rosilene Miliotti¹
Os projetos apoiados são os mais diversos. As urbanas estão envolvidas com a questão cultural, mas há iniciativas na área de audiovisual, cultura da mulher negra, artesanato, projetos de organização das mulheres, formação de núcleos permanentes de mulheres em comunidades, processos formativos para as mulheres, entre outros. A capixaba e cientista social Maria Eduarda Caseira Gimenes, do Coletivo Femenina, responsável por produzir e organizar cineclubes e eventos feministas, conta que a proposta do grupo é a produção de um vídeo sobre “ser mulher no Espírito Santo” e sobre as feiras feministas. Além disso, irão comprar material audiovisual para registrar e construir a memória do coletivo e auxiliar outros grupos de mulheres. “Todas as questões trabalhadas pela equipe da FASE são questões que sempre lidamos e discutimos cotidianamente. Nosso grupo sempre reflete sobre direitos das mulheres, por ser um grupo feminista e que presta auxilio as mulheres”, explica.
Cleia Silveira, coordenadora do Fundo Serviço de Análise e Assessoria de Projetos (SAAP) e criadora do Fundo de Apoio Estratégico (FAE) explica os projetos apoiados têm como foco os direitos das mulheres e juventude. “Apoiamos apenas iniciativas onde a FASE atua (ES, BA, MT, PE e AM), mas queremos ampliar. Entretanto, é preciso que os grupos apoiados tenham um suporte de uma instituição local”, conta.
A coordenadora ressalta que no lançamento do edital são dadas oficinas sobre o direito da mulher, elaboração de projetos e leitura coletiva do edital, o que possibilita o mínimo de conhecimento sobre o edital para todas. No Espírito Santo estão reunidos grupos de mulheres de três regiões do estado (sul, região metropolitana e do norte). São quilombolas, urbanas e pescadoras. O que une esses três diferentes grupos é o impacto do petróleo nos seus territórios. “O Espírito Santo esta tomado pela exploração petroleira. Até as quilombolas sofrem porque tem os ‘cavalinhos’ em suas terras. Elas são donas da parte de cima da terra e se a Petrobras acha petróleo no subsolo (que pertence ao estado), eles pagam pelo uso desse espaço da terra, mas é muito pouco. Ainda há um agravante, por exemplo, se a terra não estiver plantada (após a colheita a terra fica em ‘descanso’), a terra é dada como improdutiva, aí o valor fica menor ainda. Quando falamos de direitos das mulheres, essas violações no território ultrapassam a violência física”, exemplifica.
Durante um ano os grupos são acompanhados de perto pela equipe do FAE. Esse é um período de socialização das informações que elas adquirem na parte da execução dos projetos. De acordo com a coordenadora, nessa etapa as mulheres estão juntas falando sobre os conflitos, dificuldades e as soluções. E mesmo em pouco tempo, é possível perceber a diferença na fala delas.
Xis Makeba, do grupo Sawabona de Cultura Negra, explica que a proposta de trabalho do grupo é a preservação, valorização e produção da cultura negra e de seu patrimônio, através de formação e produção artístico cultural, trazendo a mulher negra como protagonista desse trabalho, unindo arte, educação, cultura e luta por direitos dos povos negros e afrodescendentes. “O trabalho que estamos desenvolvendo dentro do FAE é o projeto ‘Canto de Mulher Quilombola’, que inclui produção do grupo, registro audiovisual de mulheres e seus cantos e memórias quilombolas do território Sapê do Norte e oficinas de formação para coletivos de mulheres quilombolas desse mesmo território”, diz.
As oficinas do FAE contribuem para nossa formação e fortalecimento como grupos. Os temas trabalhados sobre a violação de direitos e violência contra a mulher são velhas conhecidas do cotidiano do grupo. Xis conta que todos os dias, as integrantes do grupo sentem na pele o que a maioria das mulheres pobres e negras desse país vivencia. “Isso nos dá força e embasamento teórico sobre nossas práticas e formação. A temática do feminismo, muito bem trabalhada dentro das oficinas pela equipe da FASE, contribuiu para esclarecer conceitos para o grupo. A violência psicológica sofrida pela mulher é o que notamos de mais visível em nosso trabalho de apresentação artística. Percebemos, nas histórias, poemas e canções um pouco de cada uma de nós e o encontro do público com seu espelho refletido em cada personagem”, comenta.
Empoderamento
Formada em história, Xis é casada e mãe de três filhos e diz que seu marido incentiva seu trabalho, pois a luta foi que os uniu. “Sou feliz porque sei que nem a metade das companheiras tem o privilégio do entendimento e do apoio dentro de casa e sem violência. Mas mesmo assim, sabemos que o machismo é um câncer entranhado em na sociedade e ainda é pouco percebido em linhas sutis mesmo por homens que apoiam a luta feminista. É preciso avançar. Ajudar essas mulheres a se organizarem é uma questão de sobrevivência para todas nós”, conclui.
Cleia ressalta que elas têm formação muito diferente e o objetivo é juntar os saberes diferenciados e o processo formativo é de troca. Além disso, as histórias que surgem ao longo do acompanhamento são as mais diversificadas. “Uma vez, uma das mulher de um projeto me ligou dizendo que tinha uma notícia maravilhosa para me dar, que tinha se separado do marido. Me assustei e perguntei se ela achou que em algum momento eu tinha incentivado o divórcio das mulheres. Ela disse que não e me perguntou se eu estava feliz. E eu perguntei de volta se ela estava a feliz. A resposta foi em bom som ‘estou, consegui me livrar’. Depois eu descobri que ela sofria violência doméstica. Outra vez, uma agricultora (que morava em uma região que não tinha energia elétrica) comemorava a chegada do programa ‘Luz para todos’. Ela fazia planos do que ia comprar depois que pagasse o carnê de um novo eletrodoméstico. Apesar do endividamento, ela estava feliz porque ela tinha uma geladeira e uma televisão. Com essas histórias, nós também percebemos como as mudanças políticas do país trazem benefícios e riscos para a população mais pobre”, explica.
Outra questão polêmica foi o fato de, a partir dos projetos, as mulheres começarem a gerir o dinheiro delas. Cleia conta que descobriu que se elas chegassem em casa com dinheiro, isso era motivo de conflito familiar porque não podia. “Depois que soube que o dinheiro tinha que passar pela mão do homem. Aí eu disse para elas que o dinheiro tinha que estar no nome delas e que elas não tinham culpa disso. E que se elas quisessem podia dizer aos maridos que ‘veio uma mulher, lá do Rio de Janeiro, e impôs que o dinheiro só vai ficar no nome das mulheres’. Falei isso como piada e elas se sentiram aliviadas para exercer essa prática da gestão financeira que elas próprias se julgavam incapazes de fazer”, resolveu.
Rompimento da barragem
No decorrer dos primeiros meses de projeto, a barragem de Mariana (MG) se rompeu e um dos grupos é formado por pescadoras de Linhares, da Vila de Regência, aonde a lama da barragem desaguou e acabou com a atividade econômica da região. O episódio acabou entrando na pauta do encontro. O conflito impactou na execução do projeto e isso permite aprofundar a questão da mineração. “Tem grupos resistindo e buscando formas de reverter essa situação. Essas mulheres são esses grupos de resistência. Em Regência, a Vale mapeou os pescadores que sabiam ler e escrever e contratou vários deles para trabalhar em serviços gerais, portaria, uma forma de manter a subsistência dessas pessoas. Por um lado é bom, mas por outro quebra a resistência. Aqueles que nunca tiveram direitos trabalhistas ou salário fixo mensal acabam saindo da luta. A luta pelo direito coletivo e a questão ambiental perde força. Não se sabe se é proposital, se é uma tentativa de fazer uma política compensatória ou de minar a resistência. Esse é um dos debates que acontece nos encontros que nós fazemos”, esclarece a coordenadora.
[1] Jornalista da FASE.