29/10/2013 15:03
Vilmon Alves Ferreira*
Nos dias 22 a 25 de outubro/13 tive o privilégio de participar de uma caravana que me lembrou da história das caravelas de Cabral. Sem nenhum sentido de comparação dos objetivos de ambas, mas me senti descobrindo a amazônia brasileira num barco, hoje movido a motor. Aliás, o objetivo de nossa caravana teve um sentido de puras “boas intenções”, muito diferente das caravelas de Cabral.
Pois bem, chamada de Caravana Agroecológica e Cultural, aportamos em Santarém, no estado do Pará. Região conhecida por Baixo Amazonas, tendo como exuberância o Rio Tapajós e suas lendárias águas de boto-cor-de-rosa. Participaram pessoas de diferentes regiões do Brasil, inclusive eu e Miraci (esta encantou muita gente). Na oportunidade representamos o estado de Mato Grosso. Aliás, outras caravanas estão acontecendo pelo Brasil. A idéia destas caravanas é integrar os diferentes olhares de experiências agroecológicas espalhadas pelo paíse e levar para o III Encontro Nacional de Agroecologia (III ENA) em 2014 a ser realizado em Juazeiro, na Bahia. E deste encontro, com certeza, resultarão importantes diretrizes agroecológicas que enriquecerão o Plano Nacional de Agroecologia, lançado recentemente no Brasil, e nossa luta no dia-a-dia.
Voltando a Santarém, por sinal, terras abençoadas pelos bons espíritos das florestas e das águas, realmente encantada Amazônia. Bem, a Caravana foi dividida em dois grupos para visitar duas áreas: a da FLONA Tapajós (Floresta Nacional) no planalto e a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns.
Fui escalado, imaginem, para compor a caravana da Resex Tapajós – Arapiuns para navegar num belíssimo barco, com mais 35 compas agroecológicos, também privilegiados, por embrenharem-se nestas lendárias águas do Rio Tapajós. Caravana esta, liderada por ninguém menos que um santareno, paraense legítimo, Sr. Antônio, que é humildemente batizado e chamado por estas mesmas águas sagradas de: “Mucura”. Um cidadão nativo da amazônia de 75 anos, com energia juvenil extraída, com certeza, desta mesma natureza. Aliás, o Sr. Mucura foi mais que um guia para a nossa caravana, e sim, uma figura humana emblemática de sapiência antropológica. Uma liderança que lutou pela criação da reserva extrativista Tapajós Arapiuns. Criada em 1998 como unidade de conservação de uso sustentável com 677.000 hectares, é composta por 73 comunidades (7 aldeias indígenas, 10 comunidade mistas, 56 comunidades não-indígenas), vivendo ali mais de 3 mil famílias. Esta Resex é atualmente presidida pela liderança jovem, o Leônidas, a quem também agradecemos por nos acompanhar nesta viagem.
Nosso tempo foi muito curto, por isso conseguimos visitar apenas três comunidades, duas indígenas (Solimões e Santo Amaro) e Surucuá (famílias extrativistas/agricultura familiar).
Em todas as comunidades, sem exceção, fomos prazerosamente recebidos com muita festa cultural, regada a uma diversidade de alimentos e bebidas típicas. Uma constatação essencial para agroecologia: em todas as comunidades que visitamos valorizam e preservam muito sua cultura. Por exemplo, no caso das comunidades indígenas há professoras que ensinam sua língua de origem: yane kwema (bom dia!) e seguem seus ritos culturais.
Nesta missão, olhamos por demais, com intuito de observar a agroecologia para além dos aspectos técnicos produtivos, ou seja, vivenciar as relações sócio-culturais e produtivos da comunidade como um todo. Para terem uma idéia, a floresta para os povos na amazônia é um elemento significativo em suas vidas: lá fazem seus pequenos roçados que plantam mandioca, feijão, cará, milho e além de uma diversidade de frutas, como açaí, bacaba, curuá, etc, também trabalham com a borracha da seringa e a farinha da mandioca, dois produtos básicos para gerar renda. Desta floresta e das águas provém as lindas histórias lendárias que alimentam a cultura deste povo. Sr. Mucura que o diga!
Desta forma, a caravana comprovou e reafirmou o nosso conceito de agroecologia, ou seja, a diversidade sócio-produtiva. E com seus direitos territoriais assegurados, as pessoas destas comunidades (adultos, idosos, jovens, crianças) são felizes, preservam sua cultura e vivem bem nutridas por uma diversidade de alimentos saudáveis produzidos ali. Os produtos que comercializam são de extrema qualidade, com destaque para a farinha. Da mandioca também extraem deliciosas bebidas como caxiri e tarubá, servidos nas festas culturais.
Os antigos problemas são recorrentes não só aqui, mas em todo território nacional: as políticas estruturantes como transporte, energia e equipamentos para o beneficiamento da produção não chegam lá, na ponta. Estas comunidades ainda necessitam de capacitação, informação e acima de tudo de organização, apesar do esforço descomunal do Sindicato dos Trabalhadores (as) Rurais de Santarém e de outras Ongs da região. O problema da DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf) é o mais grave, pois dificultam a se organizarem para acessar, por exemplo, os Programas PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).
Para minha surpresa, a Educação tem uma relação bastante interessante nestas comunidades, são professores(as) da própria comunidade que se formam e voltam para ensinar e repassar os conhecimentos para as novas gerações. Imaginem se os programas PAA e PNAE fossem acessados e a produção destas comunidades adquiridas para alimentação da própria escola? Seria de fato, e de direito, os passos da agroecologia sendo consumados! Mas infelizmente isso não ocorre: ainda as escolas são alimentadas pela prefeitura por enlatados, conservas e biscoitos de péssima qualidade nutricional e que, às vezes, não vem em quantidades suficientes.
Os desafios ainda continuam para estas organizações de base, como STTRs e Ongs de educação popular, de levar a informação e organizar coletivamente para que estes povos da floresta e das águas possam acessar e conquistar políticas públicas. Ou seja, se organizarem para cobrar que o governo faça sua parte.
* Educador da FASE Mato Grosso