20/10/2017 12:40
Cresceu novamente o número da fome no mundo! O relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre o Brasil da Segurança Alimentar e Nutricional de 2017, informa que apesar da tendência registrada de declínio em passado recente, aumentou para 815 milhões o número dos que passam fome, o que equivale a 11% da população global. E, de um total de 2 bilhões de pessoas que tem sobrepeso, 600 milhões estão obesas¹.
No Brasil, vemos a fome rondar as ruas e os campos, ainda que não tenhamos a atualização de novos dados estatísticos. A decisão “anti-povo” do governo em limitar o aumento dos gastos públicos de programas sociais à variação da inflação por 20 anos, o desmonte das leis trabalhista, a proposta da “anti-reforma” da Previdência, o cerceamento do direito à terra e ao território para os povos indígenas, comunidades quilombolas, agroextrativistas e agricultores e agricultoras familiares, além do alto índice de desemprego poderão levar de volta o país ao indigno lugar do Mapa da Fome.
O ideário neoliberal expresso nas medidas de austeridade e no verdadeiro balcão de negócios, em curso, reflete-se no desmonte das políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional, na violação de direitos e na apresentação de falsas soluções que expõem a visão preconceituosa e de desrespeito à dignidade humana e ao Direito Humano à Alimentação Adequada. É o país andando para trás, como se vê no lançamento recente, pelo prefeito de São Paulo, do “Programa Alimento Para Todos”, que estabelece um sistema de beneficiamento de produtos alimentícios que estão em data crítica de vencimento ou fora do padrão de comercialização, processados e transformados em uma verdadeira “ração para os pobres” tem sido objeto de protesto. O granulado Farinata, rebatizado como “Allimento”, deve ser distribuído também para a alimentação escolar.
Baseado na proposta de uma Política Nacional de Erradicação da Fome e de Promoção Social do Alimento, no município de São Paulo, essa medida foi aprovada em regime de urgência e não passou por consulta do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), órgão de controle social. No âmbito federal (PL 6.8676-B), seu autor justifica a iniciativa para combater a fome e reduzir o desperdício. A mesma proposta está também em debate no estado de São Paulo, no Rio de Janeiro e alguns outros.
Mas por que uma iniciativa como essa se temos uma estratégia institucional? Consagrada na Lei que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei 11.346, de setembro de 2006), que acaba de completar onze anos, temos uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com várias diretrizes que nos falam das condições de acesso ao alimento, incluindo a geração de emprego e redistribuição de renda; da produção de base agroecológica e conservação da biodiversidade; da promoção da saúde e da nutrição, incluindo segmentos da população específicos em situação de mais pobreza; da garantia da qualidade do alimento, estimulando práticas alimentares que respeitem a diversidade étnica, racial e cultural da população. Em resumo, uma visão que inclui várias dimensões e que tem um sentido interinstitucional.
O que assistimos atualmente é a interrupção dos passos que vinham sendo dados para a realização dessa política. E agora acrescenta-se um novo risco de implantação de uma política paralela que poderá desestruturar ainda mais os processos que estão em curso, mesmo que de maneira frágil, no âmbito dos estados e municípios. Em lugar de avançarmos na concretização do direito a uma alimentação saudável, sobretudo com alimentos in natura, acentuam-se as desigualdades e negam-se os vários sentidos da comida e da comensalidade.
Examinando o teor da proposta, observa-se um conjunto de incentivos creditícios, programas de financiamento para desenvolvimento de tecnologias, isenção de impostos ou outros incentivos fiscais que favorecem às indústrias de produtos alimentícios em nome do combate ao desperdício.
Não podemos desconsiderar também a importância de tratar o tema da perda e desperdício de alimentos, que se constituem como questões distintas. No Brasil, essa perda concentra-se, sobretudo, na produção. Mas podemos combatê-la e ao mesmo tempo assegurar uma alimentação adequada e saudável, por exemplo, recuperando os recursos e a modalidade de compra com doação simultânea do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Os agricultores familiares, através desta compra pública, chegaram a entregar uma variedade de cerca de 300 de alimentos que eram destinados às entidades da rede sócio-assistencial e aos equipamentos públicos, como restaurantes populares, que atenderam milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar.
O atual Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) passou por mudança fundamental. Quando foi estabelecido, pelo menos 30% da alimentação escolar seria comprada da agricultura familiar e comunidades tradicionais. Voltar a distribuir suplemento, em lugar da compra da agricultura familiar, e em um município como São Paulo, que na gestão anterior tomou a decisão de comprar alimentos agroecológicos e orgânicos, é um enorme retrocesso.
Nesse contexto de ameaças, inclui-se ainda o lobby da bancada ruralista e das empresas produtoras de agrotóxicos para a liberação de um novo pacote de venenos². A mobilização crescente da sociedade em torno da consigna “Chega de Agrotóxicos” e a defesa do sistema alimentar baseado no fortalecimento da agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais e na agroecologia é um convite para o exercício da cidadania.
E há também, atualmente, um importante processo de politização do consumo que contribui para a aproximação entre agricultores e consumidores e para a afirmação de valores como solidariedade, ética e responsabilidade. Os movimentos pela economia solidária, agroecologia, comércio justo, turismo comunitário, slowfood e as iniciativas da agricultura familiar apoiada pela comunidade ou pelo consumidor são espaços por excelência de resistência e elaboração de propostas inspiradas na consigna “comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”.
[1] State of Food Security and Nutrition 2017, FAO et. al, 2017.
[2] Entre as medidas estão a substituição do termo agrotóxicos por “produtos fitossanitários” e a retirada da identificação do “T” (transgênicos) do rótulo dos alimentos.