09/10/2006 15:18

Fausto Oliveira

Em meio a tantos assuntos de interesse público que disputam a atenção da sociedade, questões fundamentais podem passar em branco. É o caso da biodiversidade, patrimônio natural do Brasil que continua em risco em certas regiões devido a certas práticas do chamado “desenvolvimento”. Um encontro ocorrido no Mato Grosso, na semana passada, mostrou como pequenos agricultores estão se organizando para garantir a sobrevivência de centenas de espécies de grãos que estão em extinção por causa da agricultura hegemônica dos grandes fazendeiros.

Cinqüenta participantes de nove estados amazônicos estiveram na cidade de Pontes e Lacerda, interior do Mato Grosso, para discutir o assunto num evento organizado pela Articulação Nacional de Agroecologia com apoio de todas as instituições que a constituem, inclusive a FASE. Foi o 1º Encontro de Sementes da Amazônia. E, como o nome diz, não apenas os agricultores se encontraram, como também suas sementes marcaram presença. E, como se tivessem voz, gritaram alto que estão bem vivas.

“Está acontecendo um processo de perda de sementes, a que chamamos de erosão genética. A perda de variedades, que está acontecendo em alta velocidade”, disse ao Fase Notícias Vicente José Puhl, coordenador da FASE-MT. O objetivo do encontro é impedir o sumiço completo de certas variedades de grãos.

Alguém pode perguntar: por que se preocupar com a existência de variedade de grãos, se o que importa é que existam grãos para o consumo humano? Aí entra o conceito de segurança e soberania alimentar. A redução da dieta a certos padrões vulnerabiliza o ser humano e dificulta o acesso a determinadas combinações de nutrientes que, sem a intervenção humana sobre a natureza, seriam abundantes. Exemplo: “as sementes de alguns tipos de feijão, como o feijão enxofre, já não se acham mais”, afirma Vicente.

Biodiversidade é manutenção da vida. Ao contrário dela, o agronegócio dos grandes fazendeiros induz o uso de pacotes fechados de sementes industrializadas com fertilizantes e adubos próprios. As empresas que fabricam e vendem estes pacotes dizem que são sementes mais produtivas, mas os testes já confirmaram que elas só produzem se usarem o material do pacote. Ótima forma de criar dependência para o agricultor e ainda sabotar a biodiversidade brasileira.

Para combater a estratégia mercantil das empresas de sementes, os pequenos agricultores tiveram uma idéia fantástica. Já estão protegendo as sementes tradicionais por meio de trocas. Funciona assim: em certo lugar acabou certo tipo de semente, mas em outro lugar ela ainda existe; os agricultores se reúnem e fazem a troca de sementes, e a variedade de grão antes ameaçada de extinção tem a sobrevivência garantida. E se espalha novamente pelo território.

Para dar suporte às trocas, as instituições reunidas na Articulação Nacional de Agroecologia criaram uma base de dados onde cadastram tipos de sementes. Funciona há três anos e já conta com 317 sementes cadastradas. No cadastro, há foto, ficha técnica com as qualidades do grão, fotografia e o endereço dos agricultores que ainda têm a variedade. “O banco tem informações técnicas sobre aspectos alimentares e de saúde de cada semente”, afirma Vicente. Durante o 1º Encontro de Sementes da Amazônia, o banco de informações foi apresentado. Agora, mais comunidades vão contribuir para a manutenção da biodiversidade e da segurança alimentar.