Claudio Nogueira
10/08/2023 17:41

Foto: Sônia Figueiredo

Palco de debates intensos sobre o futuro da Amazônia e dos povos da floresta, os Diálogos Amazônicos, nos dias 4, 5 e 6 de agosto, reuniram milhares de pessoas, entre as dezenas de organizações, redes e movimentos da sociedade civil na capital paraense, discutindo e apontando soluções para as urgências da região e dos seus mais de 50 milhões de habitantes. A coordenadora do programa Amazônia, Sara Pereira, deu início à participação da FASE no evento na última sexta-feira, no debate “A importância da celebração de parcerias com as organizações da sociedade civil para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”.

Sara levou exemplos da experiência da organização nos territórios amazônicos. “Essa diversidade de sujeitos, de juventudes com as quais a gente atua e o trabalho que a gente desenvolve destaca a diversidade dos povos amazônicos que são a nossa grande riqueza. Não são os minérios, a soja, o petróleo os principais ativos da Amazônia, o nosso principal tesouro são os povos da região”, reflete a coordenadora. Segundo Kelli Oliveira Mafort, Secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Secretaria Geral da Presidência, o diálogo com a sociedade civil é essencial para a construção de soluções sustentáveis e inclusivas para a Amazônia, buscando sempre o desenvolvimento socioambiental equilibrado.

Cidades amazônicas

Já no sábado, a programação teve continuidade  com a realização do evento “Cidades sedentas cercadas por água e outras amazonicidades”, realizado pela FASE, Fundo Dema e Observatório Amazonicidades, com o objetivo de debater o direito à cidade na Amazônia enfocando as problemáticas relacionadas ao acesso à água potável nas comunidades ribeirinhas e periferias urbanas, o que é um contrassenso para a região com a maior bacia hidrográfica do mundo. “Água não é mercadoria, é preservação da vida. Queremos pautar o poder público sobre os caminhos que levam ao compartilhamento desse bem comum”, acrescenta Simy Corrêa, coordenadora do Fundo Dema.

Foram ouvidos os testemunhos de diversas lideranças brasileiras e da América Latina, indígenas, quilombolas, povos das águas e da floresta. Em comum, a mesma preocupação: a apropriação dos territórios por sujeitos privados, não só dos espaços fisicos mas tambem matando culturas, formas de vida e olhares difereciados. “Cidades estão sedentas de água, alimento, trabalho e vida digna. Têm sede de atenção cidadã, de participação no poder, de tomar decisões”, alerta Rosario Romero, do Peru. Situação semelhante à que passa José Pereira dos Santos, do território do Acuí – cujo Protocolo de Consulta teve a assistência da FASE – que denunciou a mercantilização dos bens comuns e ressaltou a importância das ferramentas proteção ao das comunidade. “Grandes mineradoras poluem o nosso ar, nossas terras, nossos igarapés. Mas, hoje temos uma arma: nosso protocolo de consulta, que mostra quais são os nossos direitos”, avalia.

“A cidade se coloca como moderno, enquanto impõe o rural como algo atrasado, que deve ser convertido para o progresso. Queremos reafirmar outras formas de vida, de resistência, influenciar políticas mais humanas, que considerem a diversidade amazônica. Queremos propostas concretas sobre o direito à cidade com um novo olhar, considerando essa diversidade”, afirmou João Gomes, coordenador adjunto do programa da FASE na Amazônia.

Durante lançamento do Observatório Amazonicidades no evento, Carlos Matos também ressaltou a importância de se colocar a cidade como um espaço de organização dos povos da Amazônia: “Queremos o Estatuto das Cidades Amazônicas, a partir das lutas do nosso povo, da nossa experiência”, disse. “A proximidade da COP em 2025 nos traz um momento importante para esse debate público”, conclui.

Mercado de Carbono, a mercantilização da Amazônia

O sábado da FASE se encerrou com a mesa “Qual papel dos governos progressistas da Pan Amazônia na construção da Justiça Climática nesse momento de retomada? As estratégias populares dos sujeitos da Amazônia.”, atividade promovida pelo Grupo Carta de Belém, com o objetivo de trazer pluralidade ao debate com falas que refletem sobre denúncias e anúncios que as redes amazônicas trazem para a construção de novas estratégias regionais de cooperação entre países amazônicos, na perspectiva da justiça ambiental e climática e defesa dos bens comuns.

Foto: Claudio Nogueira

Diego Cardona , representante da Coalizão Global de Florestas , trouxe a preocupação com o tipo de cooperação que estamos tendo em nossos territórios, e questionou a forma como os países tratam as questões fronteiriças: “as fronteiras estão sendo olhadas pela ótica da criminalidade, como combater as ilegalidades, como tráfico e violência, mas não como integrar os povos, que não tem essas barreiras”. Pedro Miranda, da Terra de Direitos , fez um alerta para o mercado de carbono voluntário, que vem crescendo, e sobre a regulação das emissões no Brasil: ““será que o mercado de carbono vai ganhar mais força ? Esse vai ser um sinônimo de investimento em equilíbrio climático no Brasil?”, pondera. “Líderes de territórios são pressionados a aderir a contratos que alteram profundamente seus modos de vida”.

As próprias políticas públicas de regularização de terras estão privilegiando áreas que servem a esse propósito de “descarbonização” e também para práticas de fortalecimento da bioeconomia. Algo que vai na contramão do que já é praticado pelas comunidades tradicionais da região, conforme relata Fábio Pacheco, da ANA Amazônia: “a agroecologia é um caminho de verdade, com experiência de décadas, envolvimento de mais de 150 organizações e influência em ações diretas, legislações e políticas públicas, mas essas práticas são invisibilizadas”, acredita. “se começa a falar de bioeconomia, mas o que está em jogo novamente é a tomada dos territórios dos povos tradicionais”.

Foto: Claudio Nogueira

É o que confima Vandrea Borare, de Alter do Chão: “A gente vê nesse mercado de carbono muitas empresas de consultoria. Não se fala mais em protocolos de consulta. Há uma tentativa de apagamento da nossa identidade”.

Por outro lado, há uma série de políticas públicas que já contemplam as práticas mais tradicionais, e que deveriam ser fortalecidas. Apesar disso as apostas dos governos são na linha de redirecionar o tratamento da emergência climática a partir de novas falsas soluções: “está em curso um processo de emenda econômica, onde descarbonização e bioeconomia são fundantes desse pensamento. Há uma conexão da pauta climática, agrária e territorial quando se fala de mercado de carbono, por exemplo”, completa Marcela Vecchione, do NAEA, o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA.

*Coordenador de Comunicação da FASE