25/06/2016 16:00
Intelectuais do campo progressista defenderam a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e apontaram diversos retrocessos realizados pelo governo interino de Michel Temer (PMDB). O debate “A Conjuntura Política Atual: dilemas e perspectivas dos setores agrário e agrícola”, promovido na sexta-feira (17) pelo Programa de Pós- Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), ocorreu na Ocupa Minc, ocupação de movimentos sociais no Palácio Capanema, no Centro do Rio de Janeiro.
Para contextualizar o cenário atual, o professor Renato Maluf, do CPDA/UFRRJ, iniciou o debate lembrando que a dimensão econômica do que está se passando vem desde 2008, com a crise mundial, e que, embora tenham ocorrido ações equivocadas do governo Dilma Rousseff, tem fortes aspectos externos ao país. Em sua opinião, os componentes internos são graves, porém superdimensionados. “Os próprios capitalistas retraíram seus investimentos alegando incerteza do cenário. Todas as categorias tiveram ganhos nos últimos anos, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), embora o pleno emprego signifique mais lucro para os capitalistas, eles não gostam. Então, havia um componente político que comprometeu um pouco mais o quadro, e Dilma tentou várias vezes um diálogo inócuo com o empresariado e o capital financeiro em nome da governabilidade. Tiveram concessões fiscais e a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Voltamos a enfrentar um cenário de desemprego, que é o dado fundamental que está por baixo”, afirmou.
A progressiva dificuldade de governabilidade com o Congresso mais conservador das últimas décadas foi outro fator apontado pelo professor, que foi enfático ao dizer que o processo de impedimento foi um golpe de fundamentação frágil e facilmente desvendável. “Na dimensão política e ideológica, o preocupante é o debate sobre políticas sociais. Assim como os rumos da política econômica com uma pretensão não apenas conservadora, mas também agressiva com o desmonte de componentes fundamentais”, concluiu.
Fortalecimento do agronegócio
Na questão rural, o contexto traz mudanças significativas para o modelo hegemônico do agronegócio, mas a extinção do MDA é simbólica, alerta Maluf, ao observar que estão querendo apagar a divisão dos ministérios para a agricultura. “Querem dar uma só direção com a especialização produtiva em grande escala, agrotóxicos, transgênicos, etc. Houve um documento escrito por acadêmicos intelectuais orgânicos do agronegócio e outro dos ruralistas extremamente preocupantes”, finalizou.
Esses documentos foram analisados por Clóvis Caribé, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). “A economia brasileira: o que fazer?” é um deles, e argumenta que todos com pensamento diferente ao dos seus autores têm incapacidade de ver que a agropecuária brasileira mudou. A tese apresentada, segundo o pesquisador, traz um processo de radicalidade para liderar uma estratégia de desenvolvimento rural para ser posta em execução em 2017. “Querem desmontar tudo o que há e agir: produção e comércio, estado e políticas para as regiões, e a nova forma da questão social mudando essa discussão dos dois ministérios, além de ações de médio prazo e urgentes nas legislações trabalhistas para o campo”, disse.
Para tratar das questões rurais foi nomeado o ex-integrante do Movimento dos Sem Terra (MST), José Rainha, como assessor do Planalto. “Vivemos uma conjuntura sem capacidade de ação, teve a medida para o fim da Ater [Assistência Técnica e Extensão Rural] que interfere no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no Programa Nacional de Alimentos Escolar (PNAE), etc, com o cancelamento de vários contratos. Sabem o que estão fazendo ao tirar o ministério com forte atuação, rompendo as relações no nordeste. Isso para eles é custo para o Estado, é um golpe institucional, parlamentar e constitucional”, encerrou Caribé.
Segurança alimentar e meio ambiente
A escolha do local do debate num espaço que representa a cultura foi muito acertada, segundo Maria Emília Pacheco do Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE e presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), pois além de ser um local de resistência dos movimentos, a agricultura é indissociável da cultura e faz intercâmbio com outros setores. Para ela, vivemos um período de permanente violações de direitos e de retrocessos através de iniciativas que transferem o dever do Estado para o mercado. “A história das populações se constrói em interação com a natureza. Quando falamos de agronegócio, estamos falando de uma maneira de tratar a natureza contra ela. Falar de agricultura significa defender uma agricultura de outras bases. Contestarmos essa orientação da revolução verde”, afirmou.
As implicações do modelo hegemônico, em sua opinião, são fortes na alimentação contemporânea por causa da indústria alimentar cada vez menos variada. O conceito de segurança alimentar, nesse sentido, dialoga com a questão cultural do direito, não só do acesso aos alimentos como também em relação à qualidade. Maria Emília ressaltou que a inserção do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nesse processo tem contribuído na defesa da diversidade alimentar. “Os artigos 215 e 216 ampliam o conceito de patrimônio para os aspectos imateriais, como a cultura alimentar. Na nossa oposição ao agronegócio, falamos de sistemas e não de cadeia de produção. Há em curso desconstruções e uma desestruturação das políticas culturais, o que tem implicações na produção agrícola de base agroecológica”, alertou.
O debate também ressaltou que a questão ambiental é fundamental ao tratar da questão agrícola ou agrária. E o processo de desregulamentação em curso vai acentuar ainda mais as contradições e dilemas do governo do PT nesse aspecto, de acordo com Maria Emília . “Não tem dilemas para o agronegócio, que continua cada vez mais hegemônico, mas nessa questão ambiental tem um avanço nítido do neoliberalismo com a mudança do que significa a tutela ambiental. No governo Dilma haviam violações de direitos, mas tinha espaços de diálogos que serão fechados”, analisou.
Maria Emília ainda ressaltou que a extinção do MDA acaba com a possibilidade de inovações e estímulos à produção da agricultura familiar, e da defesa das linhas de crédito não ligadas aos insumos químicos e de acordo com as características regionais. “Muitos programas em curso, com um significado importante, estão ameaçados. Uma criminalização crescente dos movimentos, os conflitos do campo vêm aumentando, segundo estudos da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A concentração de terras e a exploração mineral do Brasil cresceram em demasia”, alertou.
Questão indígena
A indígena Cristiane Julião, da etnia Pankararu, mestre em antropologia no Museu Nacional (UFRJ), também esteve no evento. Ela reforçou que a terra para os indígenas não é simplesmente um espaço físico: é sustentabilidade, cultura, saúde, educação e agroecologia. “Tem o código florestal e a lei da biodiversidade, em que não compete a nós discutir o que é direito. A PEC 215, que traz um apanhado de projetos contra as populações tradicionais, desmembra o licenciamento ambiental e nos coloca como outro progresso. Se lutar pela floresta, os ecossistemas, a biodiversidade, é contra o progresso: somos. Vivemos conflitos desde o ano de 1500, simplesmente resistimos e queremos o direito de viver no que é nosso. Nessa semana aconteceu mais um massacre no Mato Grosso do Sul. Brigar pelo nosso território é a nossa vida. Se tiver que invadir o Congresso de novo, nós vamos invadir e vamos para o confronto contra a polícia sim. Estamos sendo massacrados e sucumbidos”, destacou.
[1] Edição do texto publicado originalmente no site da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).