06/06/2016 12:09

Andrés Pasquis¹

Dinâmica da teia da vida marcou o inicio da ‘Oficina de Perspectivas para a juventude’. Foto: Andrés Pasquis/Gias

Dinâmica da teia da vida marcou o inicio da ‘Oficina de Perspectivas para a juventude’. (Foto: Andrés Pasquis/Gias)

A discriminação sofrida apenas pelo fato de ser negro, quilombola e trabalhador (a) rural foi destacada pela juventude rural e por mulheres da comunidade Ribeirão da Mutuca, durante duas atividades organizadas para a pela Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca (Acorquirim) e pelo programa da FASE no Mato Grosso. As oficinas “Perspectivas e planejamento para a juventude rural” e “Oficina de diagnóstico de gênero” aconteceram junto a outras quatro comunidades quilombolas, que constitui o quilombo Mata Cavalo, situado no município de Nossa Senhora do Livramento, a 32 quilômetros da capital Cuiabá.

Entre os objetivos está a conscientização dos grupos de agricultores familiares sobre a violência contra as mulheres, a inclusão da juventude quilombola nos processos produtivos e decisivos da comunidade, promovendo o acesso à cultura,  à renda e a outros direitos, para investir na melhoria e beneficiamento dos produtos da comunidade. As oficinas fazem parte das atividades previstas pelo Programa Ecoforte de Fortalecimento e Ampliação das Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica, aprovado pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias), do qual a Associação Quilombola e a FASE fazem parte.

“Teia da vida” contra a discriminação

Uma grande teia se formava à medida que em que os jovens quilombolas recebiam e passavam um rolo de barbante entre eles, enquanto se apresentavam. Essa ‘Teia da Vida’, que marcou o início da ‘Oficina de Perspectivas para a Juventude’, foi esticada no ponto certo para permanecer firme, mas sem machucar ou escapar das mãos dos participantes, ilustrando assim a necessidade de solidariedade e organização da juventude quilombola.

Francileia Paula de Castro, educadora do programa da FASE no Mato Grosso, apresentou um mini-documentário do Canal Futura chamado ‘Diz aí juventude rural – Identidade’, composto por depoimentos de jovens que compartilham problemas, lazeres, aspirações do dia a dia, de diferentes áreas rurais do Brasil. Os participantes tiveram a oportunidade de constatar grandes semelhanças entre a sua realidade e a de outras regiões, como, por exemplo, a preocupação com os estudos e o trabalho, o gosto por música e pelo futebol e o acesso às novas tecnologias.

No entanto, o aspecto mais marcante da atividade foi a discriminação ao entrar em contato com o meio urbano que, por um lado considera a vida na roça como sendo negativa e atrasada, mas, por outro, não tem uma infraestrutura de educação e de emprego adaptada à juventude rural. No caso dos quilombolas, a situação pode ser ainda mais difícil. Os participantes também denunciaram que as pessoas, só porque são negras, quilombolas e da roça, que vistas como burras, como parte de uma população que não conhece tecnologia e que faz “macumba”. Eles ainda ressaltaram que essa discriminação acontece em todo o lugar, inclusive na escola.

Quilombolas participaram da dinâmica do ‘Espelho de Valorização’. Foto: Andrés Pasquis/Gias

Quilombolas participaram da dinâmica do ‘Espelho de Valorização’. (Foto: Andrés Pasquis/Gias)

Após participarem do debate e perceberem que a situação deles não é isolada, os jovens da Mutuca escutaram Robson Prado, também educador do programa da FASE no Mato Grosso, que contextualizou a discriminação contra o meio rural na história brasileira e apresentou as políticas públicas conquistadas para essa juventude. Robson explicou que, durante a ditadura civil-militar, foi adotada uma política de discriminação da vida no campo, incitando ao êxodo rural. Foi só no decorrer dos últimos 20 anos que as políticas públicas para a agricultura familiar e a agroecologia começaram a ser conquistadas e pautadas pela sociedade civil. E, apenas nos últimos cinco anos, as políticas voltadas para a juventude rural foram criadas, por exemplo o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar direcionado aos jovens (Pronaf Jovem) ou a Assistência Técnica e Extensão Rural para a Juventude Rural (Ater Juventude Rural), entre outros.

Uma atividade de reflexão foi organizada, com base no Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, criado com o intuito de enfrentar o problema do êxodo rural da juventude. Orientados pelos cinco eixos do Plano (‘Terra e Território’, ‘Trabalho e Renda, ‘Educação do Campo’, ‘Qualidade de Vida’ e ‘Participação, Comunicação e Democracia’), o jovens apresentaram várias propostas, como a regularização do território quilombola, o acesso a capacitações e formações adequadas, o fomento de intercâmbios entre juventudes rurais e a criação de infraestruturas de educação, lazer e transporte adequadas à realidade quilombola.

Oficina de diagnóstico de gênero

“Ser mulher é, em primeiro lugar, ser lutadora”. Essa frase foi repetida por todas as mulheres quilombolas que participaram da dinâmica do ‘Espelho de Valorização’. O objetivo foi apresentar cada participante para o próprio reflexo, relembrando os sonhos de infância, destacando características variadas e, principalmente, definindo e valorizando o que é ‘ser mulher’. “As mulheres nunca param. Entre trabalho doméstico, filhos, emprego e a luta contra a discriminação da sociedade, sobra muito pouco tempo para se olhar no espelho e se valorizar”, explicou Francileia. Foi assim que começou a ‘Oficina de Diagnóstico de Gênero’, com mulheres se olhando, se valorizando e admirando as conquistas alcançadas até então, sempre com muita luta e dignidade.

Francileia apresentou o mini-documentário ‘Diz aí juventude rural – Identidade’. Foto: Andrés Pasquis/Gias

Francileia apresentou o mini-documentário ‘Diz aí juventude rural – Identidade’. Foto: Andrés Pasquis/Gias

Na sequência, as participantes debateram os avanços alcançados no campo dos direitos da mulher, mas lembraram que continuam sendo discriminadas e violentadas em todas as áreas da sociedade, desde o lar até o âmbito político, passando pelo trabalho e os espaços públicos. Elas ressaltaram que é preciso que as mulheres se unam e se organizem para continuar lutando contra uma sociedade machista e violenta. Nesse contexto, foi projetado um documentário elaborado pela Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) chamado ‘Minha vida é no meio do mundo’. O filme fala sobre a construção de um movimento de mulheres agricultoras do Agreste da Paraíba, que enfrenta a violência através da união, da organização e da superação, com base na vivência da agroecologia. Na sequência, as participantes puderam denunciar dois aspectos abordados pela juventude: a desvalorização da produção rural agroecológica realizada pelas mulheres e a discriminação sofrida pelo fato de ser negra e quilombola. Para Maria Renata de Jesus, presidenta da Acorquirim, “esse tipo de atividade é importante, pois vamos nos unindo, conversando, trocando experiência e percebendo que não estamos sozinhas. São momentos de fortalecimento psicológico e moral”.

[1] Edição de matéria do comunicador do Gias, do qual a FASE é parte.