Paula Schitine
20/06/2023 11:44
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da qual a FASE integra realizou sua plenária nacional entre os dias 14 e 16 de junho, no Rio de Janeiro/RJ, com o mote “Agroecologia unindo campo e cidade na perspectiva da construção de um novo projeto político para o Brasil”. O objetivo foi debater de forma participativa as diretrizes estratégicas para as ações nos anos 2023 e 2024, tendo em vista os desafios de fortalecer o movimento agroecológico na sociedade brasileira e de influenciar o desenho de políticas públicas.
“A plenária nacional da ANA é um encontro que a gente procura realizar todos os anos e reúne todas as redes, articulações estaduais de agroecologia, redes regionais de agroecologia e o os movimentos nacionais que fazem parte da ANA, movimento quilombola, movimento de sem terra, movimento de pequenos agricultores, movimento indígena”, explica Flávia Londres integrante da Secretaria Executiva da ANA.
A plenária é parte da metodologia organizativa da ANA. Cerca de 130 pessoas participaram do encontro, entre organizações e movimentos sociais, redes e entidades que compõem a Articulação. “Nosso entusiasmo se amplia e se aprofunda nesse momento porque é parte desta plenária uma retomada e uma continuidade de processos de diálogos e convergências com fóruns e redes que tratam de diversos temas que fazem um nexo com a agroecologia”, resume Maria Emília Pacheco, assessora da FASE e integrante do Núcleo Executivo da ANA.
Na manhã do primeiro dia da plenária, o destaque ficou por conta dos Grupos de Trabalho (GTs) que compõem a estrutura organizativa da ANA. Representantes dos GTs Mulheres, Biodiversidade, Juventudes e Agroecologia Indígena, da Coletiva de Comunicação e Cultura e do Coletivo Nacional de Agricultura Urbana apresentaram as principais atividades que têm sido realizadas internamente e nos territórios, além dos desafios e perspectivas diante de um novo contexto de reconstrução e ocupação de espaços no país.
O momento também foi especial para anunciar a criação de dois novos GTs: Justiça Climática e Agroecologia e Construção do Conhecimento Agroecológico. “Esses dois espaços de atuação serão importantes para propor, por exemplo, soluções à crise climática a partir das experiências dos povos e para reafirmar que a produção do conhecimento deve também partir de sujeitos que estão nos territórios e que esse processo não é exclusividade do setor acadêmico”, diz Flávia Londres.
Agroecologia no campo e na cidade
No segundo dia, um dos momentos especiais dos encontros do movimento agroecológico, foi o mergulho nas experiências reais de movimentos da agroecologia no Rio de Janeiro. Os participantes do evento se dividiram em grupos para visitar o Centro de Integração, na Serra da Misericórdia; a Favela Orgânica, no Morro da Babilônia; a experiência de abastecimento alimentar do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), em Santa Teresa; e a Providência Agroecológica, no Morro da Providência.
Rosélia Melo, coordenadora da FASE Bahia explica a importância de trocar experiências de diferentes realidades para o trabalho diário. “Estar vivenciando esta plenária é estar vivenciando experiências de vários territórios povos das cidades, das florestas, das águas, e ara a FASE que executa ações voltadas para a segurança alimentar e nutricional da agroecologia no seu campo de atuação é fortalecer, conhecer novas vivências, é entender que a agroecologia é um processo que dá certo, que de fato é uma forma de viver em respeito com a natureza”, argumenta. “A expectativa é levar as vivências aprendidas aqui e conseguirmos nos fortalecermos como redes nos nossos territórios”, defende ela.
A educadora da FASE Amazônia, Jaqueline Santos, que também integra algumas redes paraenses de agroecologia afirma que o encontro é fundamental para fortalecimentos desses grupos. “Nessa nova conjuntura do Governo Federal, que a gente conseguiu eleger o governo Lula, a gente tem muitas questões que para a Amazônia são muito importantes serem pontuadas, serem entendidas para que de fato as políticas públicas, os recursos possam chegar, para que a agroecologia aconteça no estado”, justifica.
Agroecologia no combate à fome
Entre as muitas práticas de agroecologia no Brasil, as Cozinhas Solidárias são grandes exemplos de como o combate à fome é possível no campo e principalmente, nas grandes cidades. O projeto foi criado pelo MTST como o propósito de ajudar a combater a fome durante a pandemia que tirou mais de 685 mil vidas. Os alimentos utilizados são agroecológicos doados pelo MPA; isso significa que são livres de veneno, plantados por pequenos agricultores. Batata-doce, hortaliças, tomates, ovos, feijão, abobrinha, inhame, fubá, linguiça, limão galego, farinha, banha de porco, café, banana e arroz, dentre outros que são a tradução do trabalho das famílias de camponeses em diferentes estados do país.
No Rio, existem seis Cozinhas Solidárias e a cozinheira conhecida como dona Generosa está à frente de uma delas, na Lapa. Ela conta que distribui 250 quentinhas todas as quartas-feiras e, mesmo não sendo a qualtidade suficiente para alimentar a população em situação de rua e tendo dificuldades técnicas para cozinhar em larga escala, insiste em produzir e distribuir com carinho e atenção marmitas de alta qualidade nutricional. “Eu fico muito feliz de poder saber que eles são bem alimentados naquele dia. Uns chegam para mim e dizem, tia a melhor comida do Rio é a tua. Um deles me relatou que no mesmo dia foi atrás de um caminhão de distribuição de alimentos e chegando lá estavam distribuindo doce”, conta. “Não importa que sejam pessoas em situação de rua, eu quero que eles tenham a melhor comida, a mesma comida que eu como porque eles precisam de dignidade”, ressaltou.
Olhar para o futuro
No terceiro e último dia, participantes em roda, puderam dialogar sobre suas vivências e desafios peculiares de cada região. Yuri Silva, que desenvolve um trabalho com fortalecimento da agricultura familiar em comunidades quilombolas que vivem numa APA (área de proteção ambiental) no Amapá relata que o grande desafio é a valorização da cultura local.
“A gente busca fortalecer a nossa identidade alimentar para garantir que esteja plantada a nossa macaxeira para fazer a nossa farinha, o nosso tucupi, o açaí, a pupunha, o cupuaçu. A gente tenta valorizar essa nossa cultura, pra garantir segurança, soberania alimentar da nossa população e sempre que possível também geração de renda para as comunidades que a gente atua em parceria”, explica integrante da ONG, Instituto Mapinguari
“A palavra-chave também seria diálogo de convergências que é um movimento que a gente puxa interagindo com outros fóruns e redes da sociedade civil que a gente convida essa plenária”, explica Flávia Londres. “Então, o último foi dedicado a essa ideia de debater as experiências de ontem e à luz dessa ideia de o diálogo chegar ao nosso momento final que tem o desafio da gente olhar pra frente, que caminhos a gente tem a partir de agora”, contextualiza.
A plenária também foi momento para refletir sobre dois grandes eventos próximo: o Congresso Brasileiro de Agroecologia, em novembro e a Marcha das Margaridas, em agosto. “A gente reuniu representações vindos de biomas diferentes, de movimentos de natureza muito diferentes, então essa troca ela é sempre de muito aprendizado e de muita inspiração”, afirma Flávia. “A gente aprende com os outros, partilha nossa experiência e transforma nossa prática a partir desse encontro fazendo chegar aos conselhos municipais, estaduais e agora com a retomada do Conselho Federal (Consea), propor e acompanhar políticas públicas no âmbito da segurança alimentar e nutricional”, conclui a organizadora.
*Jornalista da comunicação da FASE