21/04/2017 08:25
Rosilene Miliotti¹
Durante dois dias, representantes de 62 instituições, de 16 municípios do interior da Bahia, debateram assuntos e estratégias sobre o empoderamento da mulher na política, economia, agroecologia e feminismo, na cidade de Maracás. De acordo com os organizadores, o “II Seminário de Políticas Públicas para as Mulheres – Mulher e Agroecologia: Por uma Soberania Alimentar”² foi um espaço de trocas de conhecimentos populares. Entre as participantes, era comum ouvir que o evento foi importante para que elas pudessem conhecer a realidade de outras comunidades.
Iraildes Andrade, facilitadora do projeto Margaridas e Caravana Cravos e Rosas na Paz e integrante da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), revela que se surpreendeu com a organização. “Nesses dois dias, vi mulheres empoderadas e articuladas. Vi mulheres peitarem seus companheiros para estarem ali e vi olhos marejados de lágrimas enquanto eu falava. Percebi mulheres que estavam sofrendo violência, mas estavam ali dando o primeiro passo para a sua liberdade”, conta. A SPM irá receber todas as demandas elencadas durante o encontro, mas Iraildes acredita que o reconhecimento do trabalho das agricultoras enquanto trabalhadoras rurais seja uma das mais urgentes.
Iala Serra Queiroz, da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Maracás, ressaltou o fato do território do Vale do Jiquiriçá estar cada vez mais integrado. Para ela, participar de eventos como este é estar no movimento de resistência. “Por vezes achamos as palestras cansativas, mas é preciso fazer um esforço para absorver o que esta sendo posto. Só assim vamos nos libertar das opressões”. Ela alerta ainda que uma das maiores dificuldades é diminuir o uso de venenos por parte dos agricultores e resgatar tradições, como os mutirões comunitários. Em tom de brincadeira, ironiza o fato de sair do evento com mais problemas do que soluções. Para Iala, a solução é desprezar o capital e construir algo novo.
Já a professora Silvana Lucia da Silva Lima, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), sugere que o debate sobre a agroecologia precisa ganhar espaço e que, ao mesmo tempo, é preciso debater o papel das mulheres na atual conjuntura. “Temos que transformar as salas de aula, o ambiente do trabalho, nossas casas, tudo em espaço de debate. Porque figuras como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), por exemplo, contraditoriamente continuam avançando. Estamos vendo ressurgir nas universidades o que há de mais conservador”, alerta. Ela ressalta ainda que as demandas são muitas e urgentes, mas que a principal é a formação. “Não se faz agroecologia sem reconstruir a compreensão de natureza. É precisamos entender a agroecologia não como técnica de produção, mas como processo de produção e manutenção da vida. O que podemos fazer de imediato é formar e auxiliar a organização dos trabalhadores”, conclui.
Campo e cidade
Rosineire Ribeiro, agricultora e representante do Banco de Sementes Quatro Lagos, da comunidade do Candeal, em Maracás, lembrou que as trabalhadoras e trabalhadores rurais são vistos como uma classe baixa, mas que os “moradores das cidades devem aprender que se não houver esse trabalho, a cidade não janta”.
Luciane Silva dos Santos, da Associação do Riacho das Bananeiras, em São Miguel das Matas, conta que é preciso fortalecer os grupos de mulheres desse território. Ela lembra que no momento que o país vive, em que os direitos dos trabalhadores estão sendo atacados, é preciso estar “atentos para lutar pelos direitos”. Luciene destaca que o que mais chamou sua atenção foi ouvir a história da quilombola Anália. “O poder público não olha para a comunidade. A história dela nos comoveu”.
Anália de Jesus, da comunidade Orquídea Pereira dos Santos, do município de Jaguaquara, é analfabeta e morava na roça. Como não tinha terra, foi a primeira a sair e buscar a própria. Hoje, ela e mais de 100 pessoas da família estão assentadas entre duas fazendas e morando em casas de taipa, sem qualquer infraestrutura. “Quem consegue comprar alguma coisa divide com os outros. Quando acaba, a gente tenta fiado. Se o vizinho estiver precisando, a gente divide. Se tivéssemos uma terra, poderíamos plantar”, explica. O sonho de Anália é ver a comunidade organizada.
Lutar contra a violência
A professora Silvana acredita que houve avanço em relação ao empoderamento econômico das mulheres. Entretanto, ela questiona o limite entre a exploração e o empoderamento. “Será que os maridos estão ‘deixando’ que essas mulheres participem dos eventos porque hoje são elas que colocam a comida dentro de casa? Mas só pagar conta não é sinal de empoderamento. Se pago as contas, mas não faço com que meu companheiro se mova, isso é submissão”, critica.
“As pessoas têm que saber que às vezes as palavras ferem mais que um tapa. Estou cansada de ver, por exemplo, o marido falar em público de forma grosseira com a mulher e ela ficar envergonhada”, comenta Rosineire. Para ela, é preciso que as mulheres se unam e denunciem o que acontece dentro de suas casas. A agricultora familiar conta que começou a ser reconhecida tanto pela família quanto pela comunidade a partir do trabalho com as sementes. “Antes era só cuidar das crianças e da casa, agora eu saio, trabalho, ajudo as pessoas. Passo na rua e as pessoas me chamam assim: ‘o menina da semente crioula’, isso é muito gratificante”, comemora.
“As mulheres do campo precisam estar cientes de que seus direitos estão sendo usurpados. Muitas vezes elas ouvem falar, mas não têm noção do quanto estão sendo lesadas em direitos básicos”, explica Iraildes. Questionada sobre qual o caminho deve ser seguido para acabar com a violência contra as mulheres, ela responde que é necessário conscientizar homens e mulheres sobre os efeitos do machismo e do patriarcado na sociedade.
[1] Jornalista da FASE com a colaboração de educadores do programa da FASE na Bahia.
[2] O evento foi realizado pelo Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET), programa da FASE na Bahia e Secretária de Desenvolvimento Econômico, Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente do Município de Maracás, com apoio da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Secretária de Políticas para as Mulheres do Governo do Estado da Bahia (SPM), Território Vale do Jiquiriçá e Câmara Técnica de Mulheres.