08/06/2017 15:01
Rosilene Miliotti e Sara Pereira¹
Após participarem de uma atividade de formação e de serem informados que o Prefeito Municipal de Santarém (PA), Nélio Aguiar, teria se posicionado publicamente a favor da construção de terminais portuários para o escoamento de grãos no Lago Maicá, os indígenas da região decidiram fazer uma manifestação para exigir explicação do gestor público. No dia 7 de junho, a BR foi fechada enquanto os manifestantes ecoavam gritos de guerra contra a construção dos portos e repudiavam as autoridades públicas que manifestaram apoio ao projeto.
Para os indígenas, o “desenvolvimento” anunciando pelos empreendedores e sonhado pelos políticos só serve aos interesses dos empresários do agronegócio e seus aliados. Para Sara Pereira, educadora do programa da FASE na Amazônia, a tão decantada geração de emprego e renda é uma falácia, uma vez que a soja produzida na região é exportada in natura, empregando pequena mão-de-obra local. “A riqueza só chega para os sojicultores e seus aliados políticos. Para as populações ficam a devastação ambiental, a poluição de rios e igarapés por agrotóxicos, a contaminação das pequenas plantações e criações, violação dos direitos socioterritoriais, violência e ameaças às lideranças, criminalização dos movimentos sociais. Esse é o cenário degradador que esse modelo de desenvolvimento gera”, explica.
Cacique Manuel Batista, da aldeia de Ipopixuna, diz que a luta precisa ser constante. “Somos diretamente impactados com a aprovação da construção desse porto. O Lago é o bem mais precioso que temos. É dele que tiramos nossa sobrevivência, nossa resistência, nossa diversidade”, lamenta. O cacique alerta ainda que todos que sobrevivem ao redor do lago sofrerão as consequências: indígenas, os quilombolas, comunidades tradicionais e ribeirinhos. “Vai ser uma das piores destruições que pode acontecer nas nossas vidas. Nós não aguentamos mais. Se esse porto for instalado, nossa sobrevivência vai ser zero. Já perdemos água, o açaizal, por exemplo, não tem mais água, caça, mata, não tem mais nada. Quando o prefeito diz que vai trazer recursos e benefícios sociais para Santarém, nós já sabemos que é mentira. Ele está tirando nossos direitos. Queremos preservar isso porque nós sobrevivemos dos rios, das florestas, da Amazônia”, conclui o cacique.
Os indígenas seguiram em marcha até a Prefeitura Municipal de Santarém onde exigiram o direito de ser consultados de forma livre, prévia e informada, conforme determinada a Convenção 169, sobre a construção de Portos no Maicá. Encontraram o prédio de portas fechadas. Pressionaram, entoaram cantos de protestos até que o vice-prefeito chegou para recebê-los. Mas os indígenas se recusaram a ter audiência com o vice e exigiram dialogar direto com o prefeito. Como o chefe do executivo está viajando, os manifestantes decidiram ficar acampados na prefeitura até que o gestor os atenda e se comprometa com suas reivindicações.
Para Auricelia Arapium, liderança indígena da região do Baixo Tapajós, o pior é saber que o governo do próprio município não reconhece os povos dessa região. “Por isso decidimos ocupar a prefeitura até a sexta, dia 9. O prefeito nunca quis dialogar conosco, mas ele precisa nos ouvir. Ele esqueceu a cidade e vive em Brasília fazendo suas negociações, como é o caso da ferrovia que ele quer que passe, e infelizmente vai passar, por dentro dos territórios indígenas porque ele não respeita a lei”, alerta.
Agro é…
Auricelia diz que o agronegócio só trouxe devastação ao território e retrocessos para os direitos dos povos indígenas. “Somos diretamente afetados pela exploração do agronegócio. Eles [o governo] pensam apenas no empreendimento, assim como fizeram com a Cargil”, exemplifica. Mas, ainda de acordo com Auricelia, a construção do porto é pior para os povos da região porque atinge diretamente o lago, de onde comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas dependem para sua sobrevivência.
Perguntado sobre a propaganda feita entorno do agronegócio, o cacique responde que para eles, os indígenas, não traz desenvolvimento nenhum. Só traz violência e destruição de todo povo que sobrevive ao redor do lago. “Nós não aceitamos isso. Quando dizem que Santarém vai melhorar porque o agronegócio está trazendo recursos, isso não existe. O Lago Maicá é a nossa vida”, conclui.
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[1] Jornalista da FASE e educadora do programa da FASE na Amazônia.