14/03/2012 13:22
Lívia Duarte, jornalista da FASE
Atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural da FASE MT driblam entraves em busca de soberania alimentar
Desde abril, o Programa Regional da FASE no Mato Grosso enfrenta o desafio das respostas à chamada pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) lançada pelo Governo Federal. O objetivo é atender a mais de mil famílias da Baixada Cuiabana, que engloba 14 municípios. Assistência técnica de qualidade, pública e gratuita e que valorize o conhecimento dos agricultores e agricultoras e dos povos é um direito e uma antiga reivindicação dos movimentos do campo, explica Vanessa Schottz, do Programa de Segurança Alimentar, Agroecologia e Economia Solidária da FASE.
No caso da atuação da FASE na Baixada Cuiabana, por exemplo, Ater deve colaborar para a segurança alimentar da população, valorizando a agricultura familiar diversificada, que produz alimentos saudáveis e sem venenos para as cidades e para o autoabastecimento das famílias, geração de renda e acesso à informação, o que é fundamental para o exercício da cidadania. A política de Ater pode, por exemplo, estimular o potencial de produção para mercados locais, gerando circuitos mais curtos de produção e abastecimento – com vantagens para produtores, consumidores e meio ambiente, visto que circuitos curtos poluem menos. É uma empreitada
fundamental para toda a região, exemplo disso é que hoje mais de metade das frutas e hortaliças consumidas em Cuiabá vem de longe. Assim fica clara a importância da Ater na erradicação da miséria no campo. Apesar dos bons resultados obtidos pela FASE até agora, sobram burocracia e dificuldades para executar o projeto.
Diagnósticos e participação popular
A primeira ação no território foi um diagnóstico da realidade das famílias de agricultores tradicionais, pescadores e também dos beneficiários dos programas Crédito Fundiário e do Banco da Terra, grupos atendidos por este edital. Percorridos mais de 60 mil quilômetros, o diagnóstico revelou diversidade e cenários de pobreza, degradação ambiental, endividamento e dificuldade de acesso a políticas públicas. Por isso, Vanessa conta que quem continua lá “está resistindo” a enorme especulação sobre a terra, invisibilidade da agricultura familiar e complexa situação fundiária.
Para André Santos de Freitas, técnico da FASE MT responsável pelo projeto de Ater, a maior barreira está vinculada à dificuldade de acesso às políticas públicas, aliada ao desserviço prestado por entidades públicas e privadas por um longo período. A emissão da Declaração de Aptidão (DAP) ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) é um problema na região. Para se ter uma ideia, no início dos trabalhos da FASE, apenas 10% das famílias beneficiárias do projeto possuíam o documento, que pode ser comparado a uma identidade e prova, para fins legais, a condição de agricultor familiar. Sem a DAP, as famílias ficam excluídas de diversas políticas públicas, entre elas, da chamada de Ater.
“Muitos agricultores não sabem nem que a DAP existe. Outros não conseguem o documento porque falta capacitação ou infraestrutura por parte da Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer) e de sindicatos, principais órgãos emissores. Muitos sindicatos não têm nem computador, quem dirá internet. O fato da DAP ser historicamente ligada ao crédito prejudica sua emissão apesar dos financiamentos de Pronaf estarem paralisados na região”, conta Freitas. O engenheiro agrônomo explica que, já que a FASE não pode emitir a DAP, precisou auxiliar sindicatos na busca de credenciamento para emissão do documento junto a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) e mesmo auxiliar diretamente a emissão da DAP: hoje sete instituições emitem a DAP, no início do projeto, eram apenas duas.
Nos dias 17 e 18 de janeiro foi realizado um seminário de planejamento cujos resultados superaram as expectativas. “Tivemos presença massiva de agricultores e agricultoras e o que é mais importante, uma participação ativa de todos que fizeram com que realizássemos o planejamento participativo das atividades de forma realmente participativa”, conta André de Freitas, que também comentou ver crescimento na confiança das famílias com relação à atuação da FASE na Baixada Cuiabana: “Antes havia resistência em algumas regiões, inclusive por experiências ruins com empresas privadas de Ater. Agora os agricultores estão percebendo que a proposta é séria e depositando confiança”.
Entre os 14 pontos sintetizados como prioridades nos debates entre agricultores e agricultoras da Baixada Cuiabana, podemos destacar a necessidade de aperfeiçoar as atividades já desenvolvidas nas unidades familiares e estimular novas explorações agropecuárias. Outro ponto é traçar uma estratégia adequada para comercialização de produtos oriundos da agricultura familiar, o que inclui divulgação e acessibilidade às políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA) por parte dos municípios e também em nível estadual e federal.
Segurança alimentar é tema de visitas
A terceira etapa do projeto de ATER são as visitas técnicas. E o primeiro tema de diálogo com as famílias é a segurança alimentar. Os técnicos têm conversado sobre a importância do trabalho deles para uma produção diversificada de alimentos, sem a utilização de venenos, para o abastecimento das próprias famílias. Em contrapartida, alertam sobre os impactos negativos da agricultura empresarial para a alimentação e o território. Assim, comenta Freitas, as famílias têm sido estimuladas a apostar na transição para a agroecologia. “Falamos da produção nos quintais, as hortas para autoconsumo, aproveitamento dos alimentos, combate alternativo de pragas e doenças, entre outros assuntos. Mas não é só falar e falar sobre segurança alimentar. As famílias precisam ver a prática no nosso discurso e por isso iniciamos oficinas que visam demonstrar práticas agroecológicas de baixo custo e fácil aplicação. Vemos situação de fome no território. E por essa razão nosso trabalho de ATER precisa ser ainda mais consistente”, afirma.
Freitas contou também que nas visitas técnicas iniciadas no final de janeiro a FASE passou a entregar uma via da DAP para cada um dos beneficiários do projeto. “Essa atitude está tendo um impacto positivo na vida das pessoas. Vemos que ficam surpresas e alegres em saber que a partir daquela data são reconhecidas pelo governo federal como agricultores e agricultoras familiares de fato”, comenta.
Vanessa explica que as visitas fazem parte de um processo de diálogo com os agricultores em busca das melhores práticas, considerando sempre o conhecimento e a realidade locais. Por isso, o projeto de Ater também está investindo no fortalecimento das organizações de trabalhadores, associações e sindicatos, além de grupos de mulheres. “Queremos fortalecer a dimensão do direito e do exercício da cidadania, influenciando na construção de políticas públicas eficientes”, afirma, explicando também porque a FASE tem estimulado a participação nos processos ligados à Conferência Nacional de Ater, que será realizada este ano em Brasília.
“Avaliamos que o processo da Conferência de ATER no Mato Grosso está muito corrido. Em março já será realizada a etapa estadual e tememos que a velocidade piore os resultados. De todo modo, percebemos que na etapa realizada em Cuiabá muitos agricultores levaram formulações semelhantes às discutidas no seminário de Ater da FASE. Isso para nós é muito interessante porque mostra que nosso trabalho está em sintonia com a realidade local e pode ter ainda mais impacto no futuro”, afirma André de Freitas.